DEMOCRACIA e JUSTIÇA SOCIAL - Rio de Janeiro, 28 de Agosto de 2022

CARTA DO RIO DE JANEIRO

Os estudantes reunidos no 46° Encontro Nacional dos Estudantes de Economia (ENECO RIO) no Instituto de Economia (IE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), convocam o povo brasileiro a pensar o país. Nosso desejo é a luta por valores humanistas e universalizantes, por isso, nosso ponto de partida deve ser a compreensão da realidade em que estamos inseridos. Por isso, nossa carta realiza um breve, e sabidamente insuficiente, balanço sobre a história do Brasil, para que não repitamos os erros do passado. Para que não mais uma criança durma sem alimentação e moradia adequadas. Para que não mais pessoas sejam atacadas por sua raça, crença, orientação sexual, identidade de gênero ou qualquer outra forma de discriminação. Para que não mais nosso país seja gerido por uma elite entreguista e reacionária. O Brasil é nosso, nossas riquezas e potencialidades devem servir ao povo brasileiro. É este o sentido do ENECO, e vamos agora ao sentido do Brasil.

A Busca pelo sentido do Brasil está presente no pensamento social nacional desde o final do Século XIX. Ao longo do século XX, o sonho de país do futuro, dotado de imensas riquezas naturais e culturais, foi um dos mais fortes ideais do projeto desenvolvimentista e se mantém presente no ideário popular até os dias de hoje. Ainda que muito distante de construir uma sociedade homogênea e integrada, parece impossível negar a existência de uma sociabilidade própria que nos diferencia do resto do mundo e nos dá sentido. Assim, a busca por um Brasil ocupa, há mais de 100 anos, gerações de intérpretes dos mais diversos campos e espectros. Nomes como Florestan Fernandes, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda e Caio Prado Júnior. De Celso Furtado a Milton Santos. De Maria da Coceição Tavares à Sueli Carneiro. Seja nas artes ou nas ciências. Em Carolina Maria de Jesus, com sua etnografia urbana, ou com o pioneirismo de Nise da Silveira. Cada um destes, e tantos outros não mencionados, contribuíram para interpretar o Brasil em suas virtudes e perversidades. Por isso, pensar o Brasil é dar um mergulho no passado, compreender o presente e projetar o futuro.

Nesse sentido, o ponto de partida é a colonização portuguesa, responsável pela fundação do Estado brasileiro e pela imposição de um modelo econômico agrário-exportador, baseado no latifúndio e na escravidão. A proclamação da Independência, em 1822, em nada alterou a composição do poder político nacional e, tampouco, representou qualquer mudança significativa em termos sociais. A escravidão apenas teria fim em 1888 e deixou um legado de fome, miséria e exploração. O racismo estrutural, é portanto, um marco fundante da sociedade brasileira. Em linhas gerais, os primeiros 400 anos de Brasil marcaram a construção de um país com sua economia voltada para o exterior, com forte concentração fundiária e importantes desigualdades regionais, institucional e estruturalmente racista.

A Proclamação da República, em 1889, também não alterou as forças representativas da herança colonial. Nesse sentido, alteraria a forma, para manter o conteúdo. Porém, a partir dela, surgiu a necessidade da construção de uma identidade nacional, que seria forjada de cima para baixo, por uma pequena elite. O golpe de 1930, deu continuidade a busca por uma identidade nacional, mas incorporou o desejo da modernização, substituindo em definitivo o modelo agrário exportador pelo modelo de substituição de importações e lançando as bases da industrialização.

Durante os 50 anos do processo de industrialização, a promessa de país do futuro foi a grande ideia força do nacional-desenvolvimentismo. O auge do otimismo se deu nos anos 50, com o Plano de Metas, as explosões culturais e as conquistas esportivas. Apesar das décadas de crescimento, o país jamais conseguiu incorporar as massas à plenitude cidadã. O tal país do futuro, embora parecesse perto, sempre esteve longe e o sonho de alcançá-lo seria enterrado por décadas com o Golpe militar de 1964. A ditadura civil-empresarial-militar pôs em prática um modelo de crescimento nutrido pela concentração de renda, o chamado “milagre perverso”, e perduraria 21 anos.

O retorno à democracia aconteceria apenas na década de 80, mesmo período em se daria o fim da industrialização. Conhecida como a “década perdida”, ficou marcada pela crise da dívida externa e instabilidade macroeconômica, mas também pela Constituição de 1988, que pela primeira vez na história do Brasil, criava os marcos de um robusto Estado de Bem-Estar Social. Entretanto, foi também na década de 80 que teve início o projeto neoliberal no país, que iria se configurar num grande ataque ao sonho da constituinte. A primeira onda neoliberal durou cerca de 20 anos, e teve como resultado o aprofundamento das marcas do subdesenvolvimento, tendo efeitos deletérios sobre o crescimento, as desigualdades e a pobreza.

Em contraste com este período, a partir de 2003, o Brasil entrou em um momento muito particular de sua história, combinando crescimento econômico satisfatório, com enfrentamento de déficits sociais históricos e melhora na distribuição de renda. Tal período foi viável pela eleição de sucessivos governos do Partido dos Trabalhadores. Pela primeira vez na história do país, um governo abertamente incorporava as desigualdades multidimensionais, isto é, para além da renda, abriu-se espaço para discussões e políticas públicas voltadas às questões de raça, gênero, orientação sexual, educação, saúde, assistência social, habitação e assim por diante. Nesse sentido, é possível dizer que foi montado pelo Estado brasileiro um novo modelo de desenvolvimento, que embora tenha permitido avanços não foi suficiente para enfrentar o subdesenvolvimento. Porém, o período retomou a confiança no país e a esperança de nos tornamos, finalmente, uma nação integrada.

Infelizmente, como se fosse mais uma volta ao passado, o Golpe de 2016 deu fim ao crescimento inclusivo, impondo uma segunda onda de reformas neoliberais, cujo resultado é conhecido: baixo crescimento, aumento da concentração de renda e riqueza, aumento da pobreza, diminuição da proteção social e escala da extrema direita. Assim, após esta breve viagem, chegamos ao presente: um triste momento histórico, em que importantes conquistas estão em jogo, sobretudo a nossa democracia.

Com o intuito de pensar o Brasil de um modo fraterno e evitar a continuidade deste período de destruição do país, que tem levado miséria, medo e morte às famílias brasileiras, o ENECO RIO propôs o tema “À procura de uma nação chamada Brasil” , homenageando importantes economistas heterodoxos e progressistas, com os quais compartilhamos o sonho de um país homogêneo e integrado. As eleições que se avizinham são indispensáveis nesse quesito, mas sabemos que será preciso mais: é preciso uma luta contínua contra as forças reacionárias e o firmamento de um compromisso com a democracia e os valores inclusivos. Como diria Maria da Conceição Tavares, “o economista que não se preocupa com a questão social, não é um economista sério. É um tecnocrata”. Estudantes de Economia 

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